segunda-feira, 17 de outubro de 2016

O dilema da política monetária e o início da redução da Selic

A política monetária encontra-se diante de dilema difícil sobre o momento correto de dar início à redução da meta para a taxa Selic, com a inflação persistentemente elevada num contexto de forte recessão. O Relatório de Inflação do Banco Central do Brasil (BCB), de 27 de setembro de 2016 (RI), levou à quase unanimidade a respeito do início do ciclo de afrouxamento se dar já na reunião do Copom de 19 de outubro próximo. Esse otimismo pode estar exagerado, mas, já há algum tempo, as expectativas coletadas pelo BCB consideram que, até o fim de 2017, haverá redução da meta para a Selic de cerca de 325 pontos-base, levando-a a 11,00% a.a., aproximadamente. Assim, numa perspectiva de médio prazo, a discussão sobre o momento do início dos cortes parece perder importância. Entretanto, se o BCB não reduzir a meta para a Selic em outubro, o mercado poderá reavaliar essa trajetória esperada, entendendo que poderá ser necessário um período mais prolongado para garantir o retorno da inflação ao centro da meta antes que a política monetária possa ser relaxada.
O RI, apesar de ter apontar o arrefecimento do processo de retração da atividade econômica, observou que “as expectativas dos agentes econômicos, em patamares ainda reduzidos, e a ausência de dinamismo nos mercados de trabalho e de crédito indicam que a retomada da atividade econômica deve ocorrer de forma gradual”. E também ressaltou que, “apesar da desaceleração observada, os índices de preços mostraram inflação acima das expectativas no trimestre encerrado em agosto, resultado de elevações de preços de alimentos e, talvez, de maior persistência da inflação”.
O RI reafirmou as três condições listadas pelo BCB em documentos anteriores para que o ciclo de afrouxamento da Selic começasse, sendo que nenhuma delas, isoladamente, é considerada necessária ou suficiente. A rigor, até, nem foram chamadas de condições, mas de “elementos que poderiam permitir maior confiança no alcance das metas” :
(i)                            a persistência dos efeitos do choque de alimentos na inflação ser limitada;
(ii)                          os componentes do IPCA mais sensíveis à política monetária e à atividade econômica indicarem desinflação em velocidade adequada e
(iii)                        ocorrer redução da incerteza sobre a aprovação e implementação dos ajustes necessários na economia, incluindo as medidas de ajuste fiscal e seus respectivos impactos sobre a inflação.
Sobre o primeiro fator, o RI observou que “evidências recentes indicam que a queda nos preços de alimentos no atacado tem se transmitido para o varejo” e que “uma parte da resistência recente à queda da inflação corrente parece ter sido causada por choques temporários nos preços de alimentos”.  Quanto ao segundo fator, o RI disse que “ainda há sinais inconclusivos quanto à velocidade de desinflação em direção à meta”.  E, sobre as medidas de ajuste fiscal, que “há sinais positivos em relação ao encaminhamento e apreciação das reformas fiscais. Entretanto, o processo de tramitação ainda está no início e as incertezas quanto à aprovação e implementação dos ajustes necessários permanecem”. Assim, embora somente em relação ao primeiro item tenha havido comentário inequivocamente positivo, a leitura que os analistas de mercado fizeram do RI foi amplamente otimista, com quase unanimidade a respeito do início do ciclo de afrouxamento se dar já na reunião do Copom de 19 de outubro próximo. Os dados favoráveis de inflação divulgados depois e a aprovação da PEC 241 em primeira votação na Câmara dos Deputados, de fato, vieram reforçar a interpretação da possibilidade de corte em 19 de outubro.
Esse otimismo na leitura do RI foi reforçado pela interpretação das projeções condicionais divulgadas no relatório. Além dos tradicionais cenários de referência e de mercado, o BCB divulgou dois híbridos. Relembrando, o de referência mantém constantes a meta para a Selic e a taxa de câmbio vigentes às vésperas da elaboração das projeções; o de mercado leva em conta a evolução para essas variáveis coletadas na pesquisa de expectativas do BCB. Um dos cenários híbridos mantém constante a Selic e usa o câmbio do cenário de mercado; o outro, constante o câmbio, enquanto a Selic segue o cenário de mercado.
Uma boa parte do otimismo quanto ao início do corte da Selic já em outubro parece ter decorrido do fato do cenário de referência calcular IPCA de 4,4%, portanto abaixo da meta de 4,5%, já em 2017. E também de, nesse mesmo cenário, a inflação projetada para 2018 ser de 3,8%. Mas outra leitura é possível: esse cenário é muito pessimista em relação à Selic, que ficaria constante no atual nível por todo o horizonte de projeção. Assim, pode-se interpretar que a inflação só atingiria o centro da meta em 2017 – objetivo reiterado pelo Copom – com uma trajetória bem mais rígida da Selic do que hoje esperada. O único outro cenário em que o centro da meta é alcançado no fim de 2017 é justamente o híbrido em que a Selic é também suposta constante em todo o horizonte de projeção.
Outras características do RI que parecem ter levado o mercado a considerar que o corte de juros começa em outubro foi a inclusão de 2018 no horizonte de projeção e também a menção no texto de que “o horizonte relevante das ações de política monetária [...] não é estático [...] e se desloca continuamente com o passar do tempo. Dentro dessa estratégia, à medida que avançam os meses, as ações de política monetária passam a dar maior importância, de maneira gradual, para períodos igualmente à frente”. Mas, no início do capítulo sobre perspectivas para a inflação, no qual está esse trecho, o RI dá uma explicação mais burocrática para a extensão do horizonte, ao observar que “a extensão das projeções até esse horizonte [o quarto trimestre de 2018] cumpre o papel de cobrir a totalidade dos anos-calendário para os quais já há definição das metas para a inflação por parte do Conselho Monetário Nacional”. E, no mesmo parágrafo em que disse que o horizonte relevante se desloca com o tempo, observou que o Copom “persegue a convergência para a meta de 4,5%” em 2017. Assim, não parece haver margem para a interpretação de que o BCB estaria minimizando a importância de atingir 4,5% em 2017 e postergando esse objetivo para 2018.
Mesmo que os cortes na meta para a Selic se iniciem em 19 de outubro, a sua continuidade consistente pode depender de sinais mais claros de convergência da inflação à meta e de progressos nas reformas e medidas fiscais, que permitirão o cumprimento do teto estabelecido na PEC 241.